TOMMYKNOCKERS, TOMMYKNOCKERS, BATENDO À PORTA
ANALISANDO "OS ESTRANHOS"
Introdução
Tommyknockers pode ser considerado um dos livros mais chatos pelos fãs, e pouco considerado como um bom livro por outros. A razão para isso pode ser o tamanho considerável do livro (638 páginas na edição da Francisco Alves), mas eu não acho que isso seria uma justificativa, porque a maioria das pessoas que não gostam do livro, prezam “A Coisa” ou “A Dança da Morte”. Então, que outros quesitos do livro poderiam influenciar tanto em uma opinião negativa do leitor? Talvez porque no fim das contas “Os Estranhos” seja um suspense de ficção-científica puramente psicológico. Isso porque nunca chegamos a ver os alienígenas que habitavam a nave, vivos e tentando dominar o mundo. Pode ser também a quantidade de personagens, que pode embaralhar sua mente. Pode ser o clássico fator de “encher a lingüiça” que King faz no livro II, “Histórias de Haven”, o que cansa o leitor e o deixa de mau-humor e “chateado com o livro”. Sim, Os Estranhos é um livro que caminha em passo de tartaruga, mas eu me arriscaria dizer que dos livros de ficção-científica que King produziu, tais como “O Apanhador de Sonhos”; “Buick 8”; e “A Incendiária”, “Os Estranhos” é o melhor deles.
Os Estranhos é um grande quebra-cabeça, e cada capítulo uma minúscula peça. Você pode desistir de montá-lo, montá-lo por puro perfeccionismo que não o deixa desistir de um livro, ou montá-lo com prazer. As pessoas desta última categoria certamente aproveitarão o livro melhor que as das outras, porque no fim das contas, a história dos Tommyknockers pode ter um final recompensador para alguns e frustrante para outros. Felizmente, para mim, pertenço ao primeiro grupo. Não nego que batalhei meu caminho entre as dezenas de sub-histórias que pareciam não ter qualquer ligação com as desventuras de Bobbi Anderson e Jim Gardner, mas no final, quando li o último diálogo entre o menino David e seu irmãozinho Hilly, quando eu li o último parágrafo, então, tudo fez sentido. Todos aqueles detalhes chatinhos e aparentemente impertinentes se encaixaram como uma luva, preenchendo todos os espaços, fazendo de Os Estranhos, uma história completa. Uma história com começo, meio e fim, sem espaço para discussões sobre o que aconteceria depois, ou mesmo o que aconteceu antes.
Qual nota eu daria para “Os Estranhos”? 8.7, e não seria uma homenagem ao ano de sua publicação, é só que não me parece justo dar 9, e muito menos 8.5. Eu ainda não reli “Os Estranhos”, mas a sensação que eu tenho é que no dia em que eu o fizer, será mais fácil, e bem mais gostoso, quase como ver a revelação de como funciona um truque grandioso de mágica, não feito pelo pequeno David, mas por um mágico-rei espetacular, e que tudo estava ali em frente aos meus olhos, e eu não percebi. Para qualquer fã de Stephen King, gostando ou não, é necessário ler este livro. Não só para se arriscar a chegar ao final, mas também para presenciar um dos livros mais obscuros do mestre, onde a esperança de um final feliz é raramente brilha. Como já visto na ficha do próprio livro no site, “Os Estranhos” foi escrito na época em que King passava por uma fase difícil em sua vida (leia-se brincando com entorpecentes), e Jim Gardner é um reflexo claro do autor, quiçá o personagem mais “Kingiano”, mas quanto a Jim, deixemos para analisá-lo daqui a pouco.
Como todos os outros livros que eu já li, das quais surgirão mais artigos, faz um bom tempo desde a última vez em que pus os olhos neles pela última vez. Mas tentarei fazer o meu melhor para não atropelar qualquer detalhe, ou perverter algum outro. E se porventura o fizer, me desculpem. E é assim que vamos começar essa análise sobre o livro: Um pequeno tropeço para o homem, um grande salto para Haven.
Os Personagens Principais
Graças aos céus existe uma coisinha chamada “sintetização”, e por isso que eu sou vou analisar as duas personagens principais do livro. Deus me livre de ter que passar o raio-x em cada um dos habitantes de Haven... Como Os Tommyknockers rapidamente se trata de uma história de zumbificação, não há como traçar perfis de pessoas que agirão e pensarão igual. O que importa saber é que foram Jim e Bobbi, existem aqueles que estão imune aos alienígenas, e os que foram possuídos, e que ambos lutam uns contra os outros pelo futuro da humanidade.
Logo, espere o mesmo quando a hora de analisar “Trocas Macabras” chegue. Uma coisa que vira clichê em vários filmes e seriados que tratam especificamente de uma cidade é o famoso slogan “toda cidade tem seus esqueletos dentro do armário”. A Haven de “Os Estranhos” certamente não foge à regra. Independentemente da influência que é liberada pela nave após Bobbi Anderson cavar e cavar e cavar cada vez mais fundo, os habitantes têm seus próprios segredinhos sujos. Não que a maioria deles importe, na verdade estes tais segredinhos não servem muito para a trama principal, sendo apenas um meio de King dar ao nome suas características. De qualquer forma, eu não quero cair no mesmo erro de King, ou pelo menos aos olhos de algumas pessoas, de ficar enchendo lingüiça, então sem delongas, vamos começar a análise destas duas personagens por Roberta “Bobbi” Anderson.
Bobbi, como é carinhosamente apelidada é uma famosa escritora de livros, que assim como Richard Matheson, gosta de escrever romances de “bang-bang”. Ela vive em sua fazenda em Haven, juntamente com seu cãozinho Peter, e é isolada do restante da cidade, preferindo ficar em paz, isto pelo menos até tropeçar em um objeto metálico enterrado em seu quintal. Bobbi não tem marido ou filhos, até mesmo Gard é só um amante passageiro, nos deixando pensar que Bobbi Anderson é uma loba solitária. A principal diferença entre a Bobbi normal, e a Bobbi transformada pelos Tommyknockers é a pura e simples obsessão por construir (assim como o restante das personagens). Bobbi se torna mais inteligente, a ponto de escrever e terminar uma novela inteira em tempo recorde de dias. Pessoalmente, acho Bobbi a personagem mais pobre já criada por King (por isso a falta de mais características nesta análise), e ela serve apenas como uma espécie de condutor entre a ameaça dos Tommyknockers, e o herói da história, Jim Gardner, passando o restante da história como uma zumbi que não pára de trabalhar.
James Eric Gardner, por sua vez, é um dos mais ricos personagens criados por King, talvez seja pelo mero fato de que Gard é King, e King é Gard, em até certo ponto. Se você ler entrevistas do autor e parar para analisar a personagem, vai encontrar algumas curiosas semelhanças entre os dois. Por exemplo, na cena em que Gard discute com os convidados da festa sobre os perigos das usinas nucleares, King está apenas emprestando sua própria opinião à história (ele já disse que acha que o mundo acabará com uma guerra nuclear). Como já observado, King bebia e se drogava enquanto escrevia “Os Estranhos”, e Gardner, que não podia ficar de fora, é descrito como um ébrio inveterado. Independente de sua fraqueza por bebidas, Gardner é a última esperança de Haven, graças a uma placa de metal, implantada em sua cabeça depois de um acidente. Placa esta que o imuniza da influência dos alienígenas, assim como Ev Hillman. É interessante que todos em Haven, sem estarem sob influência dos Tommyknockers, já detestam Gard. Quando já estão “possuídos”, os habitantes partem numa caçada selvagem ao homem, principalmente quando descobrem que ele está imune. Gard é um personagem inseguro, porém espirituoso, não é só o retrato literário de King, mas como de várias e várias pessoas ao redor do mundo. Várias pessoas que lêem o livro, e que necessariamente não precisam ser viciadas em álcool, se reconhecem na figura de Jim, e quando isso acontece, sabemos que o autor criou um personagem marcante.
Os Ambientes
Como “Os Estranhos” é o único livro cuja história acontece em Haven (apesar da cidade ter sido citada em “A Coisa”, um ano antes), era imperativo traçar um perfil completo da cidade. E é para isso que serve o intitulado “livro II” que descreve o surgimento da cidade no início do século 19, dos nomes que ela possuiu antes de se firmar como Haven, e a razão para que cada nome surgisse. Logo após, King traça o perfil dos principais habitantes “atuais” da cidade, como Becka Paulson, cuja sub-história é tão bizarra que chega a ser hilária, independentemente de seu trágico fim (juntamente com seu marido); Ev Hillman, o veterano que tenta ajudar Gard a acabar com a ameaça alienígena; os meninos David e Hilly Brown (que faz uma divertida excursão até Altair-4) e mais alguns outros.
Mas, descrever uma cidade fictícia inteira não é uma tarefa fácil, e devemos dar méritos a King, que se preocupa com os menores detalhes, colocando monumentos e até uma torre com um relógio. Tantos detalhes ocupam uma grande parte do livro, o que pode irritar alguns leitores que são loucos pela ação contínua. Mas, o fato é que o homem já está acostumado. Após criar Derry, 'Salem's Lot, e Castle Rock, nada mais fácil do que dar vida a Haven e seus habitantes estranhos. E o pior (ou melhor) é que ele consegue fazer a coisa funcionar, de modo que ao adentrarmos o mundo do livro, podemos ver facilmente ver as ruas de Haven, a fazenda de Bobbi, e tantas outras locações que King magistralmene traçou com o passar da trama.
Outro ambiente interessantíssimo é a nave dos alienígenas. Quase como um labirinto de metal fedorento, Gard tem que correr para chegar até a sala de controle, no clímax do livro. As escadas tem degrais finos, como se fossem teias de aranha, como o próprio King descreve. Quando a nave levanta vôo, o chão fica invisível, dando a impressão de que o personagem está flutuando no ar. É uma fantástica descrição que faz homenagem aos saudosos filmes de ficção-científica da década de 40 e 50, que arrepiavam tantas pessoas em seções no drive-in, mesmo que as fantasias dos alienígenas fossem ridículas.
Os Tommyknockers
E que grande homenagem é "Os Estranhos" ao mais famoso livro de Jack Finney. Diferentemente de "Invasores de Corpos", os alienígenas de Tommyknockers não estão vivos. De fato, morreram há milênios durante a queda da nave, sendo enterrados pela erosão, que infelizmente, para os habitantes de Haven, não foi perfeita. Apesar de estarem mortos, os alienígenas deixaram para trás um pode malígno que ainda vivia. Uma espécie de fragância, ou influência, ou luz, tanto faz. O importante é que assim que Bobbi desenterrou a nave, este mal foi libertado, e lentamente foi dominando cada um dos habitantes de Haven, fossem homens, mulheres, ou mesmo crianças. Por alguma razão, aqueles que possuiam placas de metal implantadas no corpo não eram dominados pelos Tommyknockers. Não que isso de fato ajudasse, afinal, como se deveria matar um inimigo que não tem forma e controla aqueles com quem você convive no dia a dia?
É isto que torna a ficção-científica do livro, psicológica em sua maior parte. Claro que temos mortes violentas, palavrões, e tudo mais que King adora embutir em suas histórias. A violência neste caso se origina das habilidades concedidas pela influência alienígena, que torna os habitantes de Haven imensamente mais inteligentes, no melhor estilo MacGyver, onde se usam objetos do cotidiano para construir verdadeiras máquinas letais. Um bom exeplo é o menino David, que teletransporta seu irmão para outro planeta usando alguns objetos que encontrou por aí. Eis mais um obstáculo para Jim Gardner e os outros "sobreviventes".
Em uma das passagens mais memoráveis do livro, uma máquina de refrigerantes da Coca-Cola, que graças a sabedoria dos agora crânios de Haven tem auto-controle, sai voando em direção a um homem chamado John Leandro, que tentava invadir Haven para descobrir o que estava acontecendo, e adivinhem só, o acerta em cheio.
Mas quem são os terríveis Tommyknockers? Para começar este não é nem mesmo o nome deles. Lendas urbanas (e rurais) citam os Tommyknockers como espécies de duendes ou anões, que vivem em cavernas, atormentando e até matando quem quer que passe pelas escuras galerias que compõem sua moradia. O paralelo que King faz ao nomeá-los Tommyknockers (num pensamento quase involuntário de Gard) é que tanto os duendes quanto os alienígenas estão "enterrados" e passam a atormentar e matar todos que vêem quando liberados. Tanto é que no final do livro, Gard, já dentro da nave, vê os cadáveres dos alienígenas, que cá pra nós, são um dos tipos mais bizarros já descritos: cara de cachorro, mais altos que o humano, olhos coloridos leitosos, narizes achatados (além de serem assexuados!)...
O Final
Que muita gente detesta os finais dos livros de King, isso não é novidade. Entretanto, "Os Estranhos ofecere uma grata surpresa aos amantes de finais bons. Contrariando toda as expectativas, não que ele sequer tenha prometido um no desenvolvimento do livro, não temos um final feliz, ou pelo menos isso depende da perspectativa do leitor. Quando Gard se vê obrigado a matar sua querida amiga Bobbi ao compreender que ela jamais voltará ao normal, as pessoas que ainda não haviam entendido a escuridão que cobre a história desse livro, passam a entender na marra. Logo, Gard adentra a nave dos Tommyknockers, enquanto os habitantes possuídos tentam alcançá-lo, após receberem uma última transmissão telepática de Bobbi.
Para encurtar, na sala de controles Gard descobre um computador maravilhoso e com ele, consegue trazer o pequeno Hilly Brown, que estava no distante planeta Altair-4, são e salvo para seu irmãozinho. São poucas as pessoas com final feliz, arriscaria a dizer que Hilly e seu irmão (que até perderam os pais) seriam julgadas as únicas, ou não. Quando Jim Gardner se sacrifica, ativando a nave e lançando-a espaço sideral afora (com ele dentro dela), ele está sorrindo. Nunca saberemos se Gard realmente chegou a morrer de perda de sangue (ele atirou na própria perna sem querer depois de executar Bobbi), ou se vagou eternamente pelo espaço. Não interessa. O final de King é simplesmente poético, não pelo fato de ao levantar vôo, Gard ter matando quase todos os habitantes possuídos de Haven. Nem pelo fato do FBI, CIA, e "A Oficina" terem exterminado todos os outros sobreviventes que tentavam fugir da cidade. É poético porque é ao mesmo tempo um final triste, e um final feliz.
E para terminar mais uma análise, se você possuir este livro e tem preguiça de lê-lo, ou terminá-lo, dê à Tommyknockers mais uma chance. Sim, o livro é um carro, e a primeira marcha é sempre lenta, mas a medida em que você for acelerando, pode confiar, vale a pena. É definitivamente interessante aos fãs ver Jim Gardner interagindo com Jack Sawyer (O Talismã), Beaver (O Apanhador de Sonhos, embora não é oficial que seja o mesmo personagem, embora não criaria qualquer furo na história, principalmente porque o Beaver que Jim conhece tem a idade certa para ser o Beaver de mais tarde, além de ter um senso de humor bastante engraçado), ouvindo personagens falarem de Cujo (Cão Raivoso), Charlie McGee (A Incendiária), Johnny Smith (A Zona Morta). Enfim, Os Estranhos não é um livro para muitos, mas deveria ser lido por todos que apreciam uma boa história de ficção-científica bem construída.